quarta-feira, 28 de julho de 2010

APAIXONADOS

No filme "Crimes e Pecados", de Woody Allen, um certo Professor Levy, personagem da história, diz que nos apaixonamos para corrigir o nosso passado. Frase rápida, aparentemente simples, e no entanto com um significado tão perturbador.


A questão não é por que nos apaixonamos por Roberto e não por Vítor, ou por que nos apaixonamos por Elvira e não por Débora. A questão é: por que nos apaixonamos? Estamos sempre tentando justificar a escolha de um parceiro em detrimento de outro, e não raro dizemos: "não entendo como fui me apaixonar logo por ele". Mas não é isso que importa. Poderia ser qualquer um. A verdade é que a gente decide se apaixonar. Está predisposto a se envolver - o candidato a este amor tem que cumprir certos requisitos, lógico, mas ele não é a razão primeira por termos sucumbido. A razão primeira somos nós mesmos.


Cada vez que nos apaixonamos, estamos tendo uma nova chance de acertar. Estamos tendo a oportunidade de zerar nosso velocímetro. De sermos estreantes. Uma pessoa acaba de entrar na sua vida, você é zero km para ela. Tanto as informações que você passar quanto as atitudes que tomar serão novidade suprema - é a chance de você ser quem não conseguiu ser até agora.


Um novo amor é a platéia ideal para nos reafirmarmos. Nada será cobrado nos primeiros momentos, você larga com vantagem, há expectativa em relação a suas idéias e emoções, e boa vontade para aplaudi-las. Você é dono do roteiro, você conduz a trama, apresenta seu personagem. Estar apaixonado por outro é, basicamente, estar apaixonado por si mesmo, em novíssima versão.


É arriscado escrever sobre um tema que é constantemente debatido por profissionais credenciados para tal, mas não consigo evitá-lo. Mesmo amadora, sempre fui fascinada pelas sutilezas das relações amorosas. Cada vez que alguém diz que está precisando se apaixonar, está é precisando corrigir o passado, como diz o personagem do filme. Quantas mulheres e homens manifestam, entre suspiros, este desejo, mesmo estando casados? Um sem-número deles, quase todos nós, atordoados com a própria inquietude. E no entanto é simples de entender.


Mesmo as pessoas felizes precisam reavaliar escolhas, confirmar sentimentos, renovar os votos. Apaixonar-se de novo pelo mesmo marido ou pela mesma mulher nem sempre dá conta disso. Eles já conhecem todos os nossos truques, sabem contra o quê a gente briga, e no momento o que precisamos é de alguém virgem de nós, que permita a recriação de nós mesmos. Precisamos nos apaixonar para justamente corrigir o que fizemos de errado enquanto compartilhávamos a vida com nossos parceiros. Sem que isso signifique abrir mão deles.


Isso explica o fato de pessoas sentirem necessidade de relações paralelas mesmo estando felizes com a oficial. Explica, mas não alivia. Como é complicado viver.
Apaixonados - Martha Medeiros


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