Achei interessante esse artigo de Artur da
Távola, pois nele podemos vê todo o amor independente e verdadeiro que o animal
gato, consegue transmitir.
ODE AO GATO - ARTUR DA TÁVOLA
"Bichos polêmicos sem
o querer, porque sábios, mais inquietantes, talvez por isso. Nada é mais
incômodo que o silencioso bastar-se dos gatos. O só pedir a quem amam. O só
amar a quem os merece. O homem quer o bicho espojado, submisso, cheio de
súplica, temor, reverência, obediência.
Já viu gato amestrado, de
chapeuzinho ridículo, obedecendo às ordens de um pilantra que vive à custa
dele? Não! Até o bondoso elefante veste saiote e dança a valsa no circo. O leal
cachorro no fundo compreende as agruras do dono e faz a gentileza de ganhar a
vida por ele. O leão e o tigre se amesquinham na jaula. Gato não.
O gato devolve ao homem a
exata medida da relação que dele parte. Sábio, é espelho. O gato é zen. O gato
é Tao. Ele conhece o segredo da não-ação que não é inação. Nada pede a quem não
o quer. Exigente com quem ama, mas só depois de muito certificar-se. Não pede
amor, mas se lhe dá, então ele exige. Sim, o gato não pede amor. Nem depende
dele. Mas, quando o sente, é capaz de amar muito. Discretamente, porém sem
derramar-se. O gato é um italiano educado na Inglaterra. Sente como um
italiano, mas se comporta como um lorde inglês.
A relação dele é com o que
está oculto, guardado e nem nós queremos, sabemos ou podemos ver. Por isso,
quando surge nele um ato de entrega, de subida no colo ou manifestação de
afeto, é algo muito verdadeiro, que não pode ser desdenhado. É um gesto de
confiança que honra quem o recebe, pois significa um julgamento.
O homem não sabe ver o
gato, mas o gato sabe ver o homem. Se há desarmonia real ou latente, o gato
sente. Se há solidão, ele sabe e atenua como pode, ele que enfrenta a própria
solidão de maneira muito mais valente que nós. Nada diz, não reclama.
Afasta-se. Quem não o sabe "ler" pensa que "ele" não está
ali. Presente ou ausente, ele ensina e manifesta algo. Perto ou longe, olhando
ou fingindo não ver, ele está comunicando códigos que nem sempre (ou quase
nunca) sabemos traduzir.
O gato vê mais e vê dentro
e além de nós. Relaciona-se com fluídos, auras, fantasmas amigos e opressores.
O gato é medium, bruxo, alquimista e parapsicólogo. É uma chance de meditação
permanente a nosso lado, a ensinar paciência, atenção, silêncio e mistério. O
gato é um monge silencioso, meditativo e sábio monge, a nos devolver as
perguntas medrosas esperando que encontremos o caminho na sua busca, em vez de
o querer preparado, já conhecido e trilhado.
O gato sempre responde com
uma nova questão, remetendo-nos à pesquisa permanente do real, à busca
incessante, à certeza de que cada segundo contém a possibilidade de
criatividade e de novas inter-relações, infinitas, entre as coisas. O gato é
uma lição diária de afeto verdadeiro e fiel. Suas manifestações são íntimas e
profundas. Exigem recolhimento, entrega, atenção.
Desatentos não agradam os
gatos. Bulhosos os irritam. Tudo o que precise de promoção ou explicação quer
afirmação. Vive do verdadeiro e não se ilude com aparências. Ninguém em toda
natureza aprendeu a bastar-se (até na higiene) a si mesmo como o gato! Lição de
sono e de musculação, o gato nos ensina todas as posições de respiração ioga.
Ensina a dormir com entrega total e diluição recuperante no Cosmos. Ensina a
espreguiçar-se com a massagem mais completa em todos os músculos, preparando-os
para a ação imediata. Se os preparadores físicos aprendessem o aquecimento do
gato, os jogadores reservas não levariam tanto tempo (quase 15 minutos) se
aquecendo para entrar em campo.
O gato sai do sono para o
máximo de ação, tensão e elasticidade num segundo. Conhece o desempenho preciso
e milimétrico de cada parte do seu corpo, a qual ama e preserva como a um
templo. Lição de saúde sexual e sensualidade. Lição de envolvimento amoroso com
dedicação integral de vários dias. Lição de organização familiar e de definição
de espaço próprio e território pessoal. Lição de anatomia, equilíbrio,
desempenho muscular. Lição de salto. Lição de silêncio. Lição de descanso.
Lição de introversão. Lição de contato com o mistério, com o escuro, com a
sombra. Lição de religiosidade sem ícones. Lição de alimentação e requinte.
Lição de bom gosto e senso de oportunidade. Lição de vida, enfim, a mais completa,
diária, silenciosa, educada, sem cobranças, sem veemências, sem exigências.
O gato é uma chance de
interiorização e sabedoria, posta pelo mistério à disposição do homem."